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Vontade

Per longum et latum tratamos do poder (dynamis) do Uno. Vincula-se a esse atributo operativo a vontade (boúlêsis) a qual agora será enfocada.

Recorrendo à psicologia humana, Plotino afirma que o termo “voluntário” (ekoúsion) diz respeito às ações dos homens praticadas conscientemente. Ao falar de ações que estão em nosso poder (En. VI, 8, 1, 34), o autor das Enéadas ressalta que elas são atinentes à vontade, pois é possível praticar um ato que está em nosso poder, sem ser voluntário.

Ações voluntárias e em nosso poder implicam dependência da vontade (En. VI, 8, 3, 2-3). A vontade, por seu turno, relaciona-se com a razão, com o lógos, ou melhor, com a reta razão. Por que o homem age? Por que delibera? Por ser necessitado, carente, por ter desejos.

O contrário verifica-se no Uno, o qual nada pode desejar, por ser a fonte de todas as coisas (En. V, 5, 9, 36; VI, 9.6,41). Identificam-se nele a vontade, a essência e a atividade. Por outra, entre o que o Uno faz e o que ele quer fazer há perfeita coincidência e harmonia. Nada, portanto, pode coagi-lo a agir ou a agir diferentemente do que quer.

Da vontade do Uno dependem os efeitos e são assim como ele quis que fossem (En. VI, 7, 39, 26-27; VI, 7, 37, 29-31). Os efeitos trazem o selo da bondade, porquanto derivam do Super-Bem.

Porém, o Uno não cria as coisas, deixando-as, depois, entregues a si; ele também as conserva: “Ele conserva os seres…” (En. VI, 7, 23, 22). “Todas as coisas que existem são sustentadas por ele (…)” (En. VI, 8,21,22).

Por ser o Uno (Hén) distinto deste mundo, quem ainda poderia qualificar de monista o sistema plotiniano? A dialética descendente, na sucessão das hipóstases, em que a segunda hipóstase — o Noûs = hèn pollá — se replena de um verdadeiro mundo de ideias, em contemplando o Uno, e a Alma do mundo — terceira hipóstase — contemplando o Noûs, dá origem ao mundo, permite diferençar claramente a singularidade inconfundível das realidades. Há, pois, uma distinção real, uma relação da abaliedade com o Absoluto. No Uno tudo se encontra eminenter1). “Visto o Uno ser a causa do ser de todas as coisas, todas estão no Uno. Como? Virtualmente ou eminenter e não da maneira como existem qua seres finitos”2).

Isso leva à reafirmação de que o sistema de Plotino não se inscreve no monismo. O autor das Enéadas traça uma linha de separação ontológica entre o Uno e o múltiplo. Não se deve pensar o Uno, como se fosse um vazio abissal, mas como exigência real do intelecto. A ele nos referimos, partindo das coisas que são depois dele, ou seja, partindo de uma fenomenologia concreta do mundo que rodeia o homem3). Estamos, assim, na presença de uma analogia de proporcionalidade em que a causa é denominada a partir dos efeitos.

Via de regra, quem estuda Plotino prende-se às metáforas que ele usa, para dar uma ideia da emanação: a metáfora da luz proveniente do Sol; a do gelo, do qual dimana o frio; a da fonte de onde jorra a água. Mister é dizer que se trata de um recurso didático, para tentar esclarecer, por imagens sensíveis, uma realidade metafísica, cognoscível apenas pelo intelecto4). Ora, quem interpreta ad litteram as metáforas só pode professar que Plotino é mo-nista, logo panteísta. Por seu significado etimológico, metáfora significa que ela deve levar o intelecto para além - metá + phérein -da imagem; transferir o sentido figurado ao sentido próprio. A metáfora, no caso, assume feições de símbolo - aliquid pro aliquo. O universo é como uma irradiação do Uno, porém ele não sofre alteração com isso5). O Uno se dá aos seres, sim, mas sem se perder neles6). (Excertos de “Plotino, um estudo das Enéadas”, de R. A. Ullmann)

1)
“O Uno é todas as coisas e não é nenhuma delas” (En. V, 2, 1).
2)
GERSON, Plotinus (Arguments of the Philosophers), p. 208.
3)
“Ele (Uno) é cognoscível, antes, por meio de sua criatura, o ser” (En. VI, 9, 5, 34-35). Cf. etiam En. V, 3, 14, 7-8.
4)
Ao leitor atento cumpre desvendar a verdade filosófica oculta de sob a metáfora, tirar-lhe o manto fabuloso que a esconde, para fazê-la aparecer em sua autêntica desnudez e luminosidade.
5)
“(…) uma irradiação que se renova eternamente, ao passo que ele (Uno) permanece imóvel” (En. V, 1, 6, 2, 30).
6)
“Imagine-se uma fonte que não tem princípio e que se expande a todos os rios, sem que estes a exauram, e que permanece sempre calma” (En. III, 8, 10, 6-7).
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