Enéada VI, 1, 21 — O agir e o padecer
– A que reconheceremos o fato de ser afetado? – Certamente não pelo fato de que o ato vem de outra coisa, se aquele que recebe esse ato se apodera dele e o faz seu. – Mas há casos em que não há ato, mas apenas afecção? – Que dizer então se o paciente se torna melhor, enquanto o ato é do lado do pior? Ou ainda se alguém age viciosamente e empreende algo licencioso em relação a outro? Não se deve dizer que nada impede o ato de ser mau e a afecção, boa? – Então, por que vamos distingui-los? – Não é pelo fato de que a ação que vem de uma coisa é dirigida para outra, enquanto a afecção que uma coisa sofre lhe vem de outra? – Mas então que dizer se algo vem de si mesmo e não é dirigido para outra coisa, por exemplo, fazer ato de intelecção, formar uma opinião? E que dizer quando se aquece por causa de seus pensamentos ou de uma raiva desencadeada por uma opinião, enquanto nada veio do exterior? – Não é porque o agir é o resultado de um movimento que toma sua fonte em si mesmo, que esse movimento permanece em si mesmo ou que vai para outra coisa? – Que ocorre então com o apetite e toda forma de desejo, se é verdade que o desejo é desencadeado pelo objeto desejado? A menos, é claro, de supor que seu movimento não foi desencadeado por esse objeto, mas apenas despertado após o aparecimento desse objeto. – Em que então o desejo difere de um golpe recebido ou de uma queda provocada por um empurrão? – Talvez seja preciso então estabelecer distinções entre os desejos, dizendo que uns são ações, todos aqueles que seguem o intelecto, enquanto os outros, aqueles que são arrastados por outra coisa, são paixões, e sustentando que padecer consiste não no fato de vir de outra coisa ou de si mesmo – pois uma coisa pode apodrecer de si mesma –, mas no fato de que, quando um ser sofre, sem nada contribuir para isso, uma alteração que não o leva a se realizar, e que o muda para o pior e não para o melhor, é uma alteração desse gênero que apresenta a característica da afecção, do padecer? – Mas se ser aquecido é receber calor, e se isso concorre para a realidade de uma coisa, e não de outra, será a mesma coisa que padecer e não padecer. – E por que não haveria duas maneiras de ser aquecido? – Bem, o fato de ser aquecido, cada vez que concorre para a realidade, concorre para a realidade porque o que padece é então diferente dela; por exemplo, quando o bronze aquecido é afetado, enquanto a realidade é a estátua que não é ela mesma aquecida, senão por acidente. Se, portanto, o bronze é mais belo porque foi aquecido, ou porque o foi a um certo grau, nada impede de dizer que foi afetado. Pois há duas maneiras de ser afetado: uma que consiste em se tornar melhor ou pior, a outra em não se tornar nem um nem outro.
