User Tools

Site Tools


antiguidade:platao:banquete:bqt-191a-193d

Banquete 191a-193d: Evolução do amor e de suas formas

Por conseguinte, desde que a nossa natureza se mutilou em duas, ansiava cada um por sua própria metade e a ela se unia, e envolvendo-se com as mãos e enlaçando-se um ao outro, no ardor de se confundirem, morriam de fome e de inércia em geral, por nada quererem fazer longe um do outro. E sempre que morria uma das metades e a outra ficava, a que ficava procurava outra e com ela se enlaçava, quer se encontrasse com a metade do todo que era mulher — o que agora chamamos mulher — quer com a de um homem; e assim iam-se destruindo. Tomado de compaixão, Zeus consegue outro expediente, e lhes muda o sexo para a frente — pois até então eles o tinham para fora, e geravam e reproduziam não um no outro, mas na terra, como as cigarras; pondo assim o sexo na frente deles fez com que através dele se processasse a geração um no outro, o macho na fêmea, pelo seguinte, para que no enlace, se fosse um homem a encontrar uma mulher, que ao mesmo tempo gerassem e se fosse constituindo a raça, mas se fosse um homem com um homem, que pelo menos houvesse saciedade em seu convívio e pudessem repousar, voltar ao trabalho e ocupar-se do resto da vida. E então de há tanto tempo que o amor de um pelo outro está implantado nos homens, restaurador da nossa antiga natureza, em sua tentativa de fazer um só de dois e de curar a natureza humana. Cada um de nós portanto é uma téssera complementar de um homem, porque cortado como os linguados, de um só em dois; e procura então cada um o seu próprio complemento. Por conseguinte, todos os homens que são um corte do tipo comum, o que então se chamava andrógino, gostam de mulheres, e a maioria dos adultérios provém deste tipo, assim como também todas as mulheres que gostam de homens e são adúlteras, é deste tipo que provêm. Todas as mulheres que são o corte de uma mulher não dirige muito sua atenção aos homens, mas antes estão voltadas para as mulheres e as amiguinhas provêm deste tipo. E todos os que são corte de um macho perseguem o macho, e enquanto são crianças, como cortículos do macho, gostam dos homens e se comprazem em deitar-se com os homens e a eles se enlaçar, e são estes os melhores meninos e adolescentes, os de natural mais corajoso. Dizem alguns, é verdade, que eles são despudorados, mas estão mentindo; pois não é por despudor que fazem isso, mas por audácia, coragem e masculinidade, porque acolhem o que lhes é semelhante. Uma prova disso é que, uma vez amadurecidos, são os únicos que chegam a ser homens para a política, os que são desse tipo. E quando se tornam homens, são os jovens que eles amam, e a casamentos e procriação naturalmente eles não lhes dão atenção, embora por lei a isso sejam forçados, mas se contentam em passar a vida um com o outro, solteiros. Assim é que, em geral, tal tipo torna-se amante e amigo do amante, porque está sempre acolhendo o que lhe é aparentado. Quando então se encontra com aquele mesmo que é a sua própria metade, tanto o amante do jovem como qualquer outro, então extraordinárias são as emoções que sentem, de amizade, intimidade e amor, a ponto de não quererem por assim dizer separar-se um do outro nem por um pequeno momento. E os que continuam um com o outro pela vida afora são estes, os quais nem saberiam dizer o que querem que lhes venha da parte de um ao outro. A ninguém com efeito pareceria que se trata de união sexual, e que é porventura em vista disso que um gosta da companhia do outro assim com tanto interesse; ao contrário, que uma coisa quer a alma de cada um, é evidente, a qual coisa ela não pode dizer, mas adivinha o que quer e o indica por enigmas. Se diante deles, deitados no mesmo leito, surgisse Hefesto e com seus instrumentos lhes perguntasse: Que é que quereis, ó homens, ter um do outro?, e se, diante do seu embaraço, de novo lhes perguntasse: Porventura é isso que desejais, ficardes no mesmo lugar o mais possível um para o outro, de modo que nem de noite nem de dia vos separeis um do outro? Pois se é isso que desejais, quero fundir-vos e forjar-vos numa mesma pessoa, de modo que de dois vos tomeis um só e, enquanto viverdes, como uma só pessoa, possais viver ambos em comum, e depois que morrerdes, lá no Hades, em vez de dois ser um só, mortos os dois numa morte comum; mas vede se é isso o vosso amor, e se vos contentais se conseguirdes isso. Depois de ouvir essas palavras, sabemos que nem um só diria que não, ou demonstraria querer outra coisa, mas simplesmente pensaria ter ouvido o que há muito estava desejando, sim, unir-se e confundir-se com o amado e de dois ficarem um só. O motivo disso é que nossa antiga natureza era assim e nós éramos um todo; é portanto ao desejo e procura do todo que se dá o nome de amor. Anteriormente, como estou dizendo, nós éramos um só, e agora é que, por causa da nossa injustiça, fomos separados pelo deus, e como o foram os árcades pelos lacedemônios; é de temer então, se não formos moderados para com os deuses, que de novo sejamos fendidos em dois, e perambulemos tais quais os que nas estelas estão talhados de perfil, serrados na linha do nariz, como os ossos que se fendem. Pois bem, em vista dessas eventualidades todo homem deve a todos exortar à piedade para com os deuses, a fim de que evitemos uma e alcancemos a outra, na medida em que o Amor nos dirige e comanda. Que ninguém em sua ação se lhe oponha — e se opõe todo aquele que aos deuses se torna odioso — pois amigos do deus e com ele reconciliados descobriremos e conseguiremos o nosso próprio amado, o que agora poucos fazem. E que não me suspeite Erixímaco, fazendo comédia de meu discurso, que é a Pausânias e Agatão que me estou referindo talvez também estes se encontrem no número desses e são ambos de natureza máscula mas eu no entanto estou dizendo a respeito de todos, homens e mulheres, que é assim que nossa raça se tornaria feliz, se plenamente realizássemos o amor, e o seu próprio amado cada um encontrasse, tornado à sua primitiva natureza. E se isso é o melhor, é forçoso que dos casos atuais o que mais se lhe avizinha é o melhor, e é este o conseguir um bem amado de natureza conforme ao seu gosto; e se disso fôssemos glorificar o deus responsável, merecidamente glorificaríamos o Amor, que agora nos é de máxima utilidade, levando-nos ao que nos é familiar, e que para o futuro nos dá as maiores esperanças, se formos piedosos para com os deuses, de restabelecer-nos em nossa primitiva natureza e, depois de nos curar, fazer-nos bem aventurados e felizes.

/home/mccastro/public_html/platonismo/data/pages/antiguidade/platao/banquete/bqt-191a-193d.txt · Last modified: by 127.0.0.1