====== Sofista 238a-239a: Impossibilidade de conceber o Não-ser ====== Estrangeiro – É cedo para cantar vitoria, meu bem-aventurado amigo, porque ainda falta considerar a maior e a primeira das dificuldades, que diz respeito ao próprio começo da questão. Teeteto – Que queres dizer com isso? Fala sem omitir nada. Estrangeiro – A qualquer ser pode-se acrescentar outro ser. Teeteto – Como não? Estrangeiro – E poderemos também conceder que é possível acrescentar algum ser ao não-ser? Teeteto – Como o poderíamos? Estrangeiro – Classificaremos entre os seres os números em geral? : Teeteto – Sem dúvida, se a alguma coisa couber semelhante classificação. Estrangeiro – Sendo assim, nem valerá a pena tentar atribuir pluralidade ou unidade ao não-ser. Teeteto – Se o tentássemos, como parece, não procederíamos com acerto, conforme o prova nosso argumento. Estrangeiro – De que jeito, pois, exprimir com a boca ou conceber de algum modo em pensamento os não-seres ou o não-ser, sem recorrer a números? Teeteto – Diz, de que jeito? Estrangeiro – Quando falamos em não-seres, não lhes atribuímos número plural? Teeteto – Sem dúvida. Estrangeiro – E quando em não-ser, não lhe em- prestamos unidade? Teeteto – E mais do que claro. Estrangeiro – No entanto, afirmamos não ser correto nem justo procurar acomodar o ser ao não-ser. Teeteto – Só dizes a verdade. Estrangeiro – Estás vendo, pois, que é absolutamente impossível enunciar ou dizer alguma coisa, ou sequer pensar seja o que for a respeito do não-ser em si mesmo, por ser ele inconcebível, indizível, impronunciável e indefinível. Teeteto – Perfeitamente. Estrangeiro – Se for assim, há pouco não falei verdade quando disse que iria tratar da maior dificuldade de nosso tema. Teeteto – Como! Haverá outra maior? Estrangeiro – Como não, amigo? Depois de tudo o que ficou exposto, não percebeste em que dificuldade enleia o não-ser a quem se propõe refutá-lo, levando-o a contradizer-se logo às primeiras expressões? Teeteto – Que queres dizer com isso? Sê mais claro. Estrangeiro – Não é de mim que se deve exigir maior clareza. Ao afirmar que o não-ser não poderá participar nem do uno nem do múltiplo, então e agora referi-me a ele como unidade. Disse: o não-ser. Apanhas a questão? Teeteto Perfeitamente. Estrangeiro – No entanto, neste momento declarei que ele era impronunciável, indivizível e indefinível. Acompanhas-me? Teeteto – Acompanho, como não? Estrangeiro – E ao tentar atingir-lhe o ser, não contradizia o que afirmara antes? Teeteto – Parece. Estrangeiro – E então? Ao fazer essa junção, não me expressava como se o ligasse a alguma coisa? Teeteto – Certo. Estrangeiro – E chamando-o de indefinível, indizível e impronunciável, não falava como se ele fosse um? Teeteto – Como não? Estrangeiro – No entanto, também afirmamos que quem quiser expressar-se com acerto, não deverá enunciá-lo nem como uno nem como múltiplo, nem referir-se a ele de maneira nenhuma, pois qualquer indicação a seu respeito implica a ideia de unidade. Teeteto – É absolutamente certo.